Em agosto de 2024, beneficiários do Bolsa Família transferiram R$ 3 bilhões às empresas de apostas online, conhecidas como “bets”, por meio de transações Pix. O dado, revelado em um relatório do Banco Central (BC) acessado pela CNN, levantou preocupações e gerou debates sobre a regulamentação das apostas no Brasil.
A principal questão que emerge é: pessoas que recebem benefícios sociais, como Bolsa Família e Auxílio Gás, podem apostar legalmente?
A resposta a essa pergunta ainda é complexa. Embora a legislação atual não proíba explicitamente beneficiários de programas sociais de participar de apostas online, essa prática levanta questões éticas e sociais.
A ausência de regulamentação adequada, que trate especificamente do uso de recursos de programas sociais em apostas, deixa uma lacuna legal, mas iniciativas para alterar esse cenário já estão em curso.
De acordo com o relatório do Banco Central, 5 milhões de pessoas beneficiárias do programa de transferência de renda participaram de apostas online em agosto de 2024.
Desse total, cerca de 4 milhões eram chefes de família, responsáveis por receber o benefício, e movimentaram R$ 2 bilhões, o que equivale a 67% do valor total das apostas feitas via Pix no período. A média gasta por essas pessoas foi de R$ 100.
Esse levantamento é o primeiro do tipo realizado pelo Banco Central e exclui os pagamentos realizados com cartões de crédito ou débito, focando apenas em transferências Pix para 36 empresas de apostas. Estima-se que, no total, 24 milhões de pessoas físicas realizaram apostas no Brasil durante o período analisado.
A situação gerou grande repercussão, especialmente pelo fato de que essas apostas envolvem pessoas em situação de vulnerabilidade financeira. O estudo revelou que cerca de 17% dos beneficiários do Bolsa Família apostaram em agosto de 2024, o que despertou o alerta de autoridades sobre o impacto desse hábito entre famílias de baixa renda.
Impacto nas Famílias de Baixa Renda
A nota técnica que acompanhou o estudo do Banco Central aponta que famílias de baixa renda são as mais prejudicadas pela atividade das apostas. Segundo o relatório, o apelo comercial de enriquecimento rápido por meio das bets é particularmente atraente para aqueles que enfrentam dificuldades financeiras.
“O apelo de conseguir uma grande quantia de dinheiro rapidamente é um fator que motiva as apostas entre os mais vulneráveis. Isso se alinha com outras pesquisas que indicam que famílias de baixa renda são desproporcionalmente impactadas pelas apostas online”, diz a nota técnica.
Os dados também indicam que o valor médio das transferências aumenta conforme a idade dos apostadores. Enquanto os mais jovens apostam em média R$ 100 por mês, os mais velhos chegam a transferir mais de R$ 3.000 mensais para as bets.
Ação do Governo e Discussão sobre Regulamentação
O impacto das apostas online entre beneficiários do Bolsa Família gerou respostas de autoridades. O ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias, destacou a necessidade de regulamentação do mercado de apostas com foco na proteção dos mais vulneráveis.
“Vamos trabalhar para a proteção dos mais vulneráveis na regulamentação das bets”, afirmou o ministro, ressaltando que os recursos dos benefícios sociais devem garantir alimentação e combater a insegurança alimentar, não serem desviados para jogos de azar.
Além disso, o governo federal anunciou a criação de um Grupo de Trabalho para investigar o uso de recursos do Bolsa Família em apostas online. O grupo, formado pelo Ministério do Desenvolvimento e Assistência Socia (MDS), funcionará em parceria com a Rede Federal de Fiscalização do Bolsa Família e Cadastro Único.
A expectativa é que até 2 de outubro de 2024 seja apresentada uma proposta de restrição ao uso inadequado dos benefícios.
Essa iniciativa faz parte de um esforço maior do governo para regulamentar o mercado de apostas no Brasil, uma tarefa que já deveria ter sido concluída, de acordo com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
Segundo Haddad, a lei que legalizou as bets foi sancionada no final do governo Michel Temer, e o Executivo teria até dois anos para regulamentá-la, prazo que foi prorrogado durante o governo Jair Bolsonaro, mas sem que a regulamentação fosse concluída.
Agora, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem cobrado providências urgentes para regulamentar as apostas no país. Haddad destacou que o governo tem todos os instrumentos necessários para regular o mercado e proteger as famílias brasileiras, coibindo abusos como a lavagem de dinheiro e o endividamento das famílias de baixa renda.
Projeto de Lei para Proibir Apostas com Benefícios Sociais
O cenário envolvendo beneficiários de programas sociais e apostas online também tem gerado iniciativas no Congresso Nacional. O deputado federal Tião Medeiros (PP-PR) apresentou o Projeto de Lei 3703/24, que propõe a suspensão dos benefícios do Bolsa Família para aqueles que realizarem apostas online.
Segundo o deputado, quem gasta dinheiro com jogos de azar não se enquadra na categoria de vulnerabilidade social.
“Quem usa o dinheiro em apostas online está desonrando a própria família e a sociedade, que custeia esses benefícios para ajudar na alimentação e dignidade das pessoas”, argumentou Medeiros. O parlamentar também destacou a possibilidade de endividamento excessivo entre os beneficiários que apostam, além de uma “transferência maciça de recursos públicos para as bets”.
O projeto prevê que, além dos beneficiários diretos, seus cônjuges e dependentes também poderão ser afetados pela perda dos benefícios caso sejam identificados como apostadores. O texto também impõe que as empresas de apostas fiquem obrigadas a enviar relatórios mensais ao Ministério da Fazenda com a identificação dos apostadores e os valores apostados.
O Que Pode Mudar com a Nova Regulamentação?
Com a pressão do governo e do Congresso, a regulamentação das apostas online parece estar próxima. A proposta de regulamentação inclui medidas para impedir o uso de recursos de benefícios sociais em jogos de azar, além de combater a lavagem de dinheiro e prevenir o endividamento excessivo.
A regulamentação também deverá envolver um acompanhamento rigoroso das famílias de baixa renda, com foco em prevenir a dependência em jogos de azar entre os mais vulneráveis. A expectativa é que as medidas propostas possam colocar um limite nas transferências feitas para as bets por meio do Bolsa Família e outros programas de assistência.
Além disso, o governo está atento à questão da publicidade das apostas, que é amplamente veiculada na TV e na internet, atraindo um público jovem e de baixa renda. O objetivo é limitar a influência dessas campanhas sobre os mais vulneráveis, de modo a proteger as famílias brasileiras de um envolvimento excessivo com as apostas online.